domingo, 11 de agosto de 2013

Barbie Solitária

De certa forma, ela sempre foi uma mulher solitária. Em casa em meio ás brigas constante dos pais tinha sempre a impressão que não lhe davam atenção suficiente, permanecia quieta então, não queria deixá-los mais nervosos.

Durante a infância, brincou e riu, de forma contida, mas os fez. Por mais que as outras crianças lhe puxassem as tranças, lhe batessem, e, eventualmente, a chamassem de macaca e neguinha, chegando em casa brincava com suas Barbies de cabelos lisos que, com ela, nada se assemelhavam. Ela fingia ser uma Barbie e tinha seus momentos felizes.

Na adolescência trocou as bonecas pelos livros. Seu pai já havia ido embora, nada mudou, exceto o decorrer dos dias, sua mãe parou de apanhar,  mas todos os dias corria procurando o que iriam comer. Nas páginas semi-mofadas dos livros infanto juvenis que encontrava nas estantes da biblioteca escolar, morou em palácios se contrapondo á sua humilde casa localizada na favela. Era uma ventureira, viveu grandes amores, tinha muitos amigos, nos livros.

A escola era interessante nos dias que se cansavam de pegar em seu pé e a deixavam comer só no intervalo. Seus professores eram legais , reconheciam seu talento para as ciências humanas, e seus colegas também, principalmente nos dias de prova. Ficava extasiada quando a elogiavam pelo seu intelecto superior, até se perdeu em ilusões,um dia quando o menininho da esquerda disse que queria casar com uma garota inteligente como ela. Era apenas uma brincadeira, nunca namoraram. 

Continuou atuando sozinha. Nunca teve uma festa especial e lembra-se de comemorar seus aniversários chorando ou escrevendo em um diário feito de um caderno da escola. Via esperança de dias melhores somente estudando, pois, para garotas como ela só dois caminhos restavam: tráfico ou prostituição e, se tivesse sorte, uma gravidez precoce. Não tinha entretanto vitalidade e coragem para isso,para orgulho de sua mãe.

Formou-se aos 24 anos, em uma faculdade não renomada, mas barata o suficiente para ela. Arranjou um emprego em uma cidadezinha pacata. Ajudou as pessoas, menos a si mesma. Em seu principio de depressão, comia e lia muito. De livros ficou sábia e de comida gorda. Nas noites mal dormidas escrevia um livro sobre um detetive amador, escrevia puramente por prazer, não tinha nenhuma ambição.

Finalmente aos 30 anos terminou seu livro e o publicou, pela insistência exacerbada de uma ex-professora. Para sua surpresa o livro foi bem aceito, ela ganhou visibilidade e muito dinheiro. De uma enfermeira deprimida á socialite, um grande salto.

Mudou-se para a capital, comprou tudo, até mesmo uma nova aparência. Ficou magra, afilou o nariz e alisou o cabelo, e, como toda Bárbie, um dia encontrou seu Ken. Ele era filho de um deputado, conheceram-se em uma tarde ensolarada em um dia que ela palestrava em uma convenção, ela ia fumar, ele lhe ofereceu um isqueiro. Passaram a jantar quase todos os finais de semana, ela sempre pagava a conta.

Se casaram sob chuva de arroz e fotógrafos, ela conseguiu ficar mais famosa ainda e ele também. Ele ganhou em uma eleição e agora não se viam com tanta frequência. Os anos se passaram eles ganharam idade e filhos, a casa estava cheia, mas ela sempre tinha a sensação de estar sozinha, seu marido nunca estava.

Na noite de seu aniversário de 40 anos, o esperou para um jantar, ele não veio. Tudo bem, ela respeitava o trabalho do marido e o amava. Recebeu uma mensagem de texto no celular solicitando que ela abrisse o seu e-mail,pensou que fossem noticias do amado. De fato o assunto do e-mail era INFORMAÇÕES SOBRE SEU MARIDO. Estranhamente não se surpreendeu quando o viu em uma imagem, provavelmente tirada de um celular, beijando uma moça jovem, loura alta e magra.

Dormiu cedo naquela noite e também não jantou. Debaixo das cobertas com os olhos marejados constatou que algumas coisas são eternas, principalmente a solidão.